Pretinha d’Angola é uma dança tradicional do Pará. Dançada desde o tempo da escravidão, a coreografia tradicional, feita só por mulheres, acompanha e imita os gestos descritos nos versos, que também vêm dos antigos escravizados. É uma música que toquei aos montes, muito quando flautista do grupo para-folclórico Tanguru-Pará.
Essa gravação foi feita em agosto de 2021. Ouça, curta e comente à vontade.
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A arte capa é de Luciana Leal. As imagens abaixo guardam um pouco do processo criativo dela.
O songbook com transcrição das duas vozes (voz e baixo) está na aqui na Amazon. Acompanha as partes cavas e letra cifrada.
Pretinha d'Angola - Songbook (2021, Aracaju, Sergipe). Para voz e contrabaixo. Com grade, partes cavas, e letra com cifras.
Quanto à letra, gravei ela da forma que gravei porque era assim que cantávamos no Tanguru-Pará. No entanto, dependendo do lugar ou do grupo a cantar, são comuns variações melódicas e nos versos. Cito aqui, a título de registro, duas estrofes que não gravei, mas que são comumente cantadas: “Arranca, arranca o meu carão / Meu carão tá duro, eu não posso arrancar“, usualmente cantada logo após “É assim que a cabra pula / É assim que a nega rebula“; e “As pretinhas d’Angola, oxalá / Preta ficou, oxalá / Quem matou, quem roubou, as pretinhas d’Angola oxalá ficou“.
Bem, eis a letra tal como gravei:
Oh, que preta é aquela que vem acolá?
É pretinha d’Angola d’UmarizáÉ d’Umarizá ,é d’Umarizá
É pretinha d’Angola d’UmarizáAtrepei pelo toco, desci pelo gaio
Oh, morena, me apara senão eu caioEu caio, eu caio, eu caio, eu caio
Oh, morena, me apara senão eu caio.Eu vi andorinha, eu vi avoar
Eu vi borboleta nas ondas do marEu vi, eu vi, eu vi, eu vi
Eu vi borboleta nas ondas do marOlha a surucucu que quer te pegar
No toco da cana do canaviáEu vi, eu vi, eu vi, eu vi
No toco da cana do canaviáO que te fizeram? O que te fizeram?
No toco da cana do canaviáEu vi, eu vi, eu vi, eu vi
No toco da cana do canaviáEnrola boi na maresia
Enrola boi-bumbá
Eu quero ver a nega rolar
Enrola boi-bumbáEnrola bem, enrola mal
Enrola boi-bumbá
Eu quero ver a nega rolar
Enrola boi-bumbáOh, me rala esse coco e me dá um pedaço
Depois tira o leite e me dá o bagaçoÉ assim que a cabra pula
É assim que a nega rebulaMamãe pisa o milho; ó, filho, eu tô pisando
A senhora pisa e eu vou peneirandoEu vou peneirando, eu vou peneirando
A senhora pisa e eu vou peneirandoEu tava na minha casa, marimbondo me ferrou
Eu tava na minha roça, marimbondo me ferrouAi, Jesus, meu Deus, marimbondo sou eu
Ai, Jesus, meu Deus, marimbondo sou euMe ferrou na cabeça – Marimbondo sou eu
Me ferrou no pescoço – Marimbondo sou eu
Me ferrou na minha boca – Marimbondo sou eu
Me ferrou no meu peito – Marimbondo sou eu
Me ferrou na barriga – Marimbondo sou eu
Me ferrou no gostoso – Marimbondo sou euAi, Jesus, meu Deus, marimbondo sou eu
Ai, Jesus, meu Deus, marimbondo sou eu
Laurimar leal (grande Mestre da arte plástica santarena) em uma entrevista em 2010 (feita no âmbito do projeto “Músicas de Domínio Público do Folclore Santareno“, que desenvolvi com o apoio de uma bolsa do Instituto de Artes do Pará), lembra que, até por volta de 1945, o carnaval santareno era animado pelo grupo de Pretinhas d’Angola, que brincavam e dançavam nas casas de particulares. E mais: ele traz à tona uma discussão sobre o termo “Umarizá”. É que, em Belém, os grupos cantam assim: “É Pretinha d’Angola do Umarizá“, dizendo ser uma referência ao bairro do Umarizal (hoje um dos mais caros da capital paraense, mas que, a maior parte do tempo, foi bairro popular com forte presença negra). Laurimar afirma que desde criança ouvia a música sendo cantado em Santarém com o verso “É pretinha d’Angola do Urumarizá“, referindo-se à antiga região da cidade chamada de Urumarizal, e que hoje é o bairro do Urumari. “Umarizá” seria uma adaptação e invenção posterior dos belemenses. A entrevista completa com Laurimar está aqui:
E deixo aqui a transcrição de Pretinha d’Angola que fiz para o livro “Músicas de Domínio Público do Folclore Santareno | Livro de Partituras I – Melodias“, parte do mesmo projeto no qual entrevistei Laurimar.
PretinhaDangola-Partitura