A capa é da Luciana Leal. O rosto é, originalmente, um detalhe de uma estampa dela.
Por sinal, em junho passado a Lu fez um pequeno e-book contando uma história diferente da Matinta – não como a velha agourenta, e sim como “uma pequena heroína muito esperta”. Vale à pena conhecer. Por isso eu pedi e ela me deixou colocá-lo aqui.
Pretinha d’Angola é uma dança tradicional do Pará. Dançada desde o tempo da escravidão, a coreografia tradicional, feita só por mulheres, acompanha e imita os gestos descritos nos versos, que também vêm dos antigos escravizados. É uma música que toquei aos montes, muito quando flautista do grupo para-folclórico Tanguru-Pará.
Essa gravação foi feita em agosto de 2021. Ouça, curta e comente à vontade.
A arte capa é de Luciana Leal. As imagens abaixo guardam um pouco do processo criativo dela.
O songbook com transcrição das duas vozes (voz e baixo) está na aqui na Amazon. Acompanha as partes cavas e letra cifrada.
Pretinha d'Angola - Songbook (2021, Aracaju, Sergipe). Para voz e contrabaixo. Com grade, partes cavas, e letra com cifras.
Quanto à letra, gravei ela da forma que gravei porque era assim que cantávamos no Tanguru-Pará. No entanto, dependendo do lugar ou do grupo a cantar, são comuns variações melódicas e nos versos. Cito aqui, a título de registro, duas estrofes que não gravei, mas que são comumente cantadas: “Arranca, arranca o meu carão / Meu carão tá duro, eu não posso arrancar“, usualmente cantada logo após “É assim que a cabra pula / É assim que a nega rebula“; e “As pretinhas d’Angola, oxalá / Preta ficou, oxalá / Quem matou, quem roubou, as pretinhas d’Angola oxalá ficou“.
Bem, eis a letra tal como gravei:
Oh, que preta é aquela que vem acolá? É pretinha d’Angola d’Umarizá
É d’Umarizá ,é d’Umarizá É pretinha d’Angola d’Umarizá
Atrepei pelo toco, desci pelo gaio Oh, morena, me apara senão eu caio
Eu caio, eu caio, eu caio, eu caio Oh, morena, me apara senão eu caio.
Eu vi andorinha, eu vi avoar Eu vi borboleta nas ondas do mar
Eu vi, eu vi, eu vi, eu vi Eu vi borboleta nas ondas do mar
Olha a surucucu que quer te pegar No toco da cana do canaviá
Eu vi, eu vi, eu vi, eu vi No toco da cana do canaviá
O que te fizeram? O que te fizeram? No toco da cana do canaviá
Eu vi, eu vi, eu vi, eu vi No toco da cana do canaviá
Enrola boi na maresia Enrola boi-bumbá Eu quero ver a nega rolar Enrola boi-bumbá
Enrola bem, enrola mal Enrola boi-bumbá Eu quero ver a nega rolar Enrola boi-bumbá
Oh, me rala esse coco e me dá um pedaço Depois tira o leite e me dá o bagaço
É assim que a cabra pula É assim que a nega rebula
Mamãe pisa o milho; ó, filho, eu tô pisando A senhora pisa e eu vou peneirando
Eu vou peneirando, eu vou peneirando A senhora pisa e eu vou peneirando
Eu tava na minha casa, marimbondo me ferrou Eu tava na minha roça, marimbondo me ferrou
Ai, Jesus, meu Deus, marimbondo sou eu Ai, Jesus, meu Deus, marimbondo sou eu
Me ferrou na cabeça – Marimbondo sou eu Me ferrou no pescoço – Marimbondo sou eu Me ferrou na minha boca – Marimbondo sou eu Me ferrou no meu peito – Marimbondo sou eu Me ferrou na barriga – Marimbondo sou eu Me ferrou no gostoso – Marimbondo sou eu
Ai, Jesus, meu Deus, marimbondo sou eu Ai, Jesus, meu Deus, marimbondo sou eu
Laurimar leal (grande Mestre da arte plástica santarena) em uma entrevista em 2010 (feita no âmbito do projeto “Músicas de Domínio Público do Folclore Santareno“, que desenvolvi com o apoio de uma bolsa do Instituto de Artes do Pará), lembra que, até por volta de 1945, o carnaval santareno era animado pelo grupo de Pretinhas d’Angola, que brincavam e dançavam nas casas de particulares. E mais: ele traz à tona uma discussão sobre o termo “Umarizá”. É que, em Belém, os grupos cantam assim: “É Pretinha d’Angola do Umarizá“, dizendo ser uma referência ao bairro do Umarizal (hoje um dos mais caros da capital paraense, mas que, a maior parte do tempo, foi bairro popular com forte presença negra). Laurimar afirma que desde criança ouvia a música sendo cantado em Santarém com o verso “É pretinha d’Angola do Urumarizá“, referindo-se à antiga região da cidade chamada de Urumarizal, e que hoje é o bairro do Urumari. “Umarizá” seria uma adaptação e invenção posterior dos belemenses. A entrevista completa com Laurimar está aqui:
“Adeus, morena” é um carimbó de Mestre Lucindo, que venho tocando há mais de 20 anos, principalmente na flauta. Fiz agora uma nova gravação e um clipe com ele, usando a flauta doce contralto e um controlador midi. Assista aqui:
O arranjo dessa gravação é, na verdade, todo baseado em um rondó de “Adeus, morena” que preparei quando morava em Ourém – PA, pra tocar na flauta junto com amigos num conjunto de pau e corda. A gravação abaixo é de uma dessas tocadas. Nela estamos eu, na flauta doce, Aristides Borges, no banjo, Alcimar Brasil, violão, Natalino Caratinga, percussão, e André Mixico, também na percussão. A gravação é caseiríssima, e feita no quintal de casa, em 2004.
Então, pra essa gravação e filmagem de agora, o que fiz foi adicionar uma segunda voz no baixo pra minha antiga melodia. Eis aqui o arranjo.
E um detalhe pra encerrar: em 2009 usei a melodia da terceira parte desse arranjo (essa que, na partitura aí de cima, começa na terceira página) na trilha sonora de “O Rapto do Peixe-boi“, como música de abertura. A música foi gravada com um conjunto de flauta doce, e tá aqui pra ser ouvida.
Este é um lundu tradicionalíssimo tocado e dançado na Ilha do Marajó, no Pará. É uma música também bastante conhecida em outras áreas do Estado do Pará, muito devido aos grupos parafolclóricos que o carregam como um clássico no repertório. Produzi essa gravação em fevereiro e março de 2018, e nela toquei duas flautas doces (soprano – a que toca a melodia original – e contralto), violão, e uma variedade de instrumentos virtuais. A arte da capa arrasadora é, mais uma vez, da Luciana Leal.
O songbook com a transcrição do arranjo desta gravação(para flauta doce soprano, flauta doce contralto, guitarra e contrabaixo) está no site da Amazon.
Trabalhei o Lundu Marajoara incontáveis vezes, e guardo o registro de quatro delas. O primeiro é de quando fui membro do Tanguru-pará, em 96 e 97. Tocávamo-lo em todas as apresentações, tanto como tema principal quanto como melodia incidental. Na gravação a seguir, feita ao vivo no projeto “Uma Quarta de Música”, do Centur, em junho de 1997, ela surge como tema incidental no arranjo para duas flautas de “Mastro Bastião”, de Ronaldo Silva. O voz é de Allan Carvalho.
E eis o mesmo arranjo, tocado em junho de 98 numa apresentação do Trio Guapo (formado por mim, Allan Carvalho e Márcio Macêdo – todos também membros do Tanguru-pará), no Teatro Experimental Waldemar Henrique.
Em 2000 gravei esse lundu com um arranjo exageradamente eletrônico feito no Fruity Loops. Esta gravação foi posteriormente reunida com outras da mesma época no álbum FGC Vol. 0, e é esta aqui:
E em 2010 regravei o Lundu, de novo apenas com sons eletrônicos, e usando o Reaktor. Já deu pra notar que eu amo esse tema, né? A gravação e um vídeo onde toco essa versão de 2010 numa participação no programa 7 Set Independente, da TV Cultura do Pará, estão abaixo.
Esta é uma interpretação minha da Mazurca tradicionalmente tocada na Marujada de Bragança/PA. É um arranjo para duas flautas, baixo e piano, acompanhados por uma base rítmica eletroacústica. Gravei em novembro de 2017 com duas flautas doces (soprano e contralto) e instrumentos virtuais. A arte da capa é de Luciana Leal.
Mazurca - Songbook (2018, Aracaju, Sergipe). Para flauta doce soprano e contralto, piano, marimba (clave de fá) e contrabaixo. Com grade completa e partes cavas.
A mazurca é uma dentre várias músicas tocadas e dançadas na Marujada, a festa em homenagem a São Benedito que acontece todo dezembro, desde 1798 – ano em que foi fundada, por negros escravos, a Irmandade do Glorioso São Benedito de Bragança. Um pouco do som dessa festa pode ser ouvido nessas duas postagens aqui do Blog FGC: Comissão das Colônias do Glorioso São Benedito de Bragança e Músicas da Marujada de Bragança – 2007.
A primeira tem registros da passagem de uma comissão de “esmoleiros” pela cidade de Ourém/PA, em 2004 e 2006; e a segunda, gravações de retumbão, xote e chorado, tocados na festa de 2007.
Trabalhei com essa mesma mazurca, ainda neste ano de 2017, num arranjo bem mais eletrônico. Foi para este vídeo gravado no Vila Aju (na época se chamava Aju Hostel), em junho passado, pouco tempo depois de ter chegado, para morar, em Aracaju.
Tanto a arranjo o vídeo acima quanto desta nova gravação apresentada no início da postagem foram baseados neste arranjo para piano.
Mazurca (2017, Aracaju, Sergipe). Arranjo a 3 vozes para piano.
Atualização de 22 de julho de 2021:
Ainda mexendo com esse tema (que eu adoro, deu pra sacar, né? 😉 ) fiz esse vídeo tocando-o num arranjo a duas vozes, bem simples (simplório mesmo!), feito mais para experimentar uns timbres novos. A partitura tá logo a seguir.
Pra finalizar, vou deixar aqui transcrito o que o livro “Tocando a Memória: Rabeca“(de Maria José Pinto da Costa de Moraes, editado pelo Instituto de Artes do Pará em 2006), fala sobre essa mazurca da Marujada de Bragança, no capítulo “A Marujada e o Culto a São Benedito: Música e Dança” (páginas 63 e 64).
A Mazurca é a quarta dança do ritual da Marujada e a primeira das danças de origem europeia. De tradição polonesa, pode ter a forma de dança ou canto. Notabilizou-se tanto entre compositores eruditos, como Chopin, quanto entre populares, como Ernesto Nazareth e Chiquinha Gozaga.
Segundo Julio Bas (1947), possui forma binário de movimento moderado, em compasso ternário simples, apresentando o ritmo básico, no qual se observa o segundo tempo apoiado.
A Mazurca bragantina tem como característica regionalista o ritmo do tambor.
Seu andamento é o Allegro, com semínima a 160, na tonalidade de Ré Menor. A coreografia, inicialmente, tem os pares enfileirados formando um círculo, para onde se dirigem os marujos que se posicionam, movimentando-se em sentido horário. Com o desenrolar da música, as marujas giram em frente aos parceiros, mudando de posição para o braço esquerdo e retornando ao braço direito sucessivamente.
No último dia 4 aconteceu uma recepção pros calouros indígenas da UFOPA, que terminou com um ritual realizado por eles mesmos na entrada do campus Tapajós. Os cantos que reuni nesta postagem foram gravados neste ritual. A primeira faixa é um “cântico de agradecimento”, comum a várias etnias. A segunda faixa (Surara e Ixé iandepá makú) é um canto borari, puxado por Adenilson Borari “Poró”, do DAIN/UFOPA (Diretório Acadêmico Estudantil Indígena). A terceira faixa é um canto Wai wai puxado pelos alunos Nilson Newsinu Wai Wai e Radson Tiotio Wai Wai; e no final tem um canto Munduruku, por Jair Boro Munduruku. Ouçam aí o som desses novos estudantes:
Se quiser baixar as quatro faixas, clique aqui (arquivo Zip). E abaixo estão algumas imagens desse momento.
José Luciano Frade Vianna, mais conhecido como Zezinho (ou Zezus) Vianna, é compositor e cantor de Cachoeira do Arari, na ilha do Marajó. O tema principal de suas músicas é a ilha, principalmente as cidades de Cachoeira do Arari, Soure e Ponta de Pedras. Algumas delas (como Saudade Louca e Invernada Marajoara) fazem parte do “repertório básico” de grande parte dos grupos parafolclóricos de Belém.
O material dessa postagem foi enviado pelo Allan Carvalho, que está produzindo um disco do compositor. As faixas foram recortadas de uma entrevista que o Allan fez com o Zezinho, durante a pré-produção do disco.
Esta é uma coleção com 12 toadas do boi Pai-do-Campo de Ourém, gravadas em 29 de maio de 2004, e que só agora publiquei na internet. Mestre Faustino puxa as toadas (exceto as faixas 1 e 11, puxadas pelo Salles), e é acompanhado pela Dona Miloca (pandeiro); Salles Machado (tambor); Dona Chica (maracas e coro); Dona Ambrósia (maracas e coro); Dona Cesária (maracas e coro); Dona Paulina (coro); Danilo (então com 3 anos, no pandeiro) e Daniel (coro).
Das toadas acima, três delas eu regravei no meu disco FGC Vol. 3: “Tava dormindo e sonhando“,com uma melodia diferente, já que o próprio Faustino a alterava frequentemente; e o pot-pourri “Vassoura de botão/Ai, moreninha“. São as duas gravações a seguir.
Vale lembrar que essas e outras toadas do boi Pai-do-Campo (ao todo, são 50) também podem ser ouvidas e baixadas desta página no site FGC Produções.
Benedito Gama de Miranda é o nome de Mestre Piticaia. Nascido na comunidade do “Atola” (“pras bandas do rio Abaí”), e criado em Cachoeira do Arari, na ilha do Marajó, onde mora até hoje, Piticaia tem 73 anos de idade, e coloca boi há 42.
As 11 toadas a seguir foram gravadas pelo meu amigo Allan Carvalho, que esteve em Cachoeira durante o “Cordão do Galo”, projeto do Instituto Arraial do Pavulagem. O Mestre canta acompanhado por uma caixa quadrada, típica do marajó, tocada por ele mesmo.
O vídeo abaixo (gravado pelo Lucas Santana, do grupo Sancari) é do mesmo momento da gravação do áudio, com o Mestre Piticaia levando as toadas “Serena” e “Correio”.
Juvenal Imbiriba nasceu na comunidade de São Pedro, no rio Arapiuns, em 1961. Hoje mora em Aminam, na mesma região. Compõe e toca violão desde jovem, e o ritmo que mais o agrada é o carimbó. Eu o conheci em 2010, quando participei da organização da Feira Cultura Digital dos Bairros, aqui em Santarém; onde ele tocou na noite de abertura (para saber sobre esse noite, clique aqui). E a ideia deste disco surgiu a partir de conversas com meu amigo Eduardo Nogueira, formando do curso de música da UEPA, que fez o TCC baseado nos carimbós dele.
Este é o disco “Carimbó do Arapiuns” resultante daquelas conversas, com 13 músicas de Juvenal. Ele está acompanhado pelo percussionista Helder Gama “Catraca”, e por mim nos arranjos e solos (flauta, violão e samples de sax). Todas as composição são do próprio Imbiriba, e ele toca o violão base também.
O álbum também está no YouTube, com letras e cifras de bônus.